Anexo 2

 

AS NAUS DE VERDE PINHO

(EXCERTO)

 

Viu-se então um grande monte

que entrava pelo mar dentro.

Já não havia horizonte

nem céu nem terra nem nada.

Só se ouvia uivar o vento

que vinha com sua espada

espadeirar as brancas velas.

Só o vento e o nevoeiro

e uma grande nuvem preta

sobre as naus e caravelas.

 

De repente um marinheiro

perna de pau e maneta 

ergueu a voz e gritou:

__ Eu sou da Nau Catrineta

e nem ela aqui passou.

Eram ventos ventanias

naus como cascas de noz

a baloiçar sobre o medo.

Sete noites sete dias.

 

Só se via o penedo

só se ouvia aquela voz

do velho sempre a gritar:

__ Vereis água a ferver.

Quem quiser aqui passar

no inferno vai arder.

 

E já nem lua nem estrelas

só noite noite fechada

caravelas caravelas

cercadas de tudo e de nada.

 

E de repente um trovão.

Já não era o vento a uivar

era a voz do Capitão 

que se pôs a comandar:

 

__ Seja a bem ou seja a mal

eu juro que hei-de passar

porque as naus de Portugal

não são naus de recuar.

Eu sou Bartolomeu Dias

nada me pode parar.

 

Calaram-se as ventanias

e até as fúrias do mar.

 

Só se ouvia resmungar

o velho Perna de Pau.

 

__ Vais perder-te e naufragar

ninguém dobra o Cabo Mau.

 

E enquanto o velho falava

já a armada para dentro

(onde o mar não é tão bravo)

a pouco e pouco avançava.

Levada por brando vento

navegava além do Cabo.

__ Ouve lá Perna de Pau

(disse o grande capitão)

já se foi o Cabo Mau

já se foi a nuvem preta

e não vi nenhum papão

nem me deitei a afogar.

A tua Nau Catrineta

é uma história de inventar.

 

Mas o velho não cedia

pôs-se de novo a gritar:

 

__ Se navegares mais um dia

outros monstros hás-de achar

outros cabos outros perigos

que estão na volta do mar.

E naufrágios e castigos

que vos hão-de castigar.

 

__ Sete noites sete dias

que não paras de falar.

Venci ventos ventanias

também tu te vais calar.

Ou será que és o Diabo

que me vem aqui tentar?

 

Perna de Pau deu um salto

e transformou-se em gigante.

 

__ Aqui tens um novo Cabo.

Eu sou dono do mar alto 

e não vais passar adiante.

 

__ Eu sou marinheiro e abro

caminhos de par em par.

Já dobrei o Cabo Mau

vou passar este papão.

Ouve lá Perna de Pau

eu trago no coração

um país a navegar

e não há nenhum gigante 

que me faça recuar.

 

O meu destino é chegar

cada vez mais adiante.

Nem que fosses Rubicão

mesmo assim eu passaria.

Tu és só uma visão

um cabo de fantasia.

Não metes medo nenhum.

 

Então o monstro sumiu

inchou inchou e fez PUM

como se fosse um balão.

 

E nuca mais ninguém viu 

aquele Perna de Pau

Manuel Alegre, As Naus de Verde Pinho

 

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